Apreciadores do bom futebol ainda curtem o poderio alemão frente ao favoritismo espanhol na Champions League, com shows nas quatro linhas de Bayern e Borussia, semana passada, e a chance de eliminar os poderosos Barça e Real, hoje e amanhã. Ok, futebol pode surpreender nessas horas, mas quando mudamos de assunto e falamos de música pesada, não há novidades sobre a qualidade germânica. E uma dessas referências esteve em BH, novamente. A noite do domingo, 21, foi marcada por mais uma visita da lenda Sodom. A abertura ficou por conta da Dunkell Reiter, uma facção teutônica estabelecida na região metropolitana de Belo Horizonte, e da banda Tormento.
Uma noite dominical suavemente fria, que logo esquentou quando headbangers adentraram ao Music Hall. Não se sabe bem o porquê, mas o primeiro esquadrão do thrash a subir ao palco foi o Dunkell Reiter – os caras não deveriam abrir, na minha opinião, já que tem mais tempo de estrada que a segunda atração. Pena para quem ficou do lado de fora, naquela tradicional enrolação cheia de conversa fiada, antes do headliner.
Rivelli Assassin (guitarra, vocal), Rafael “Rider of Hell” (guitarra), Roberto e Jonathan Reiter (baixo e bateria), não se preocuparam com a quantidade de público presente e logo começaram a pancadaria. Interessante que os acordes chamaram a atenção de quem estava lá fora e, já na metade do show, era possível dizer que havia uma audiência razoável. E não era por menos! Os carrascos de Contagem fazem um excelente, hipnotizante e empolgante thrash metal, daqueles que não dá pra ficar só olhando.
O set foi baseado no próximo trampo, Unholy Grave, a ser lançado daqui a alguns meses. Pedradas do cancioneiro do açoite, com a mais salutar mistura da escola alemã, Destruction e Kreator, por exemplo, mais um leve toque de Maiden antigo, além da atitude e pegada só encontradas nos arredores das montanhas da Serra do Curral. Rivelli se consolida cada vez mais como um frontman de alto nível, mesclando seus gritos “Mille Petrozza style” com solos bem bolados e riffs vigorosos, trampo nas seis cordas muito bem seguido por Rafael, um dos cérebros da empreitada. Outro grande detalhe é como a cozinha está bem encaixada. Jonathan senta a lenha com precisão nas baquetas e Roberto está muito à vontade no baixo, tocando sem paleta e deslizando acordes sem dificuldade alguma. Impossível citar um destaque, tamanha a uniformidade e coesão das músicas.
Na sequência, foi a vez dos mais novos do Tormento darem as caras. Diogo Amâncio (baixo), Rafael Torres (guitarra), Lânio Araújo (vocal) e Natan (bateria), também tocam o estilo da noite, porém no mínimo uma década à frente da proposta das outras bandas. O thrash executado pelos belorizontinos é calcado naquele dos 1990´s, especialmente nos EUA, tendo como principal fonte Dimebag Darrel e seus colegas de Pantera. O que não desmerece nem um pouco, acho impossível falar mal de quem mete a cara e monta uma parada, seguindo suas próprias influências. Ainda mais quando falamos de um subestilo que não faz parte do gosto popular e vive do underground. Segundo o vocalista, a banda volta de um pequeno hiato e já tem algo para sair do forno em breve. Sempre quando escuto o som dos caras piro muito com a introdução (muito, muito bacana), mas fico por aí. Mesmo assim, é inegável o talento da molecada, especialmente as linhas do baixista Diogo.
Hora de falar da atração principal. Direto da cidade industrial de Gelsenkirchen, no oeste alemão, Tom Angelripper (vocal, baixo), Bernd Kost Bernemann (guitarra) e Markus Freiwald “Makka” (bateria) encontraram um Music Hall com público razoável, para uma noite de domingo. Apesar de terem lançado recentemente o agradável Epitome of Torture – inclusive com um clipe que divulgamos aqui – não se tratava de uma turnê do disco, já que nenhuma música nova foi executada. Mas ninguém se importou, já que os chucrutes souberam mesclar o set com pérolas da carreira e outras porradas mais recentes. E como é bom poder acompanhar o show de uma lenda do thrash no meio da roda. Claro que o fisico não é mais o de um moleque, o coração chega a querer sair da boca em alguns momentos. Mas a sensação do açoite nas costas, vinda direto dos acordes de Bernemann, dá um barato violento e funciona como combustível. Interessante era que o pau quebrava nas músicas consideradas clássicas, como Sodomy and Lust, Outbreak of Evil, Agente Orange e Burst Command Til War, enquanto os mosheiros colocavam o pé no freio quando petardos mais “leves” e modernos eram executados, como Vice of Killing, M16 e The Saw is the Law.
Porém o mais interessante de todo o show talvez tenha passado despercebido por muitos bangers presentes. Tem um camarada da cena mineira, que não tem a necessidade de identificá-lo aqui, mas é bem conhecido por quem frequenta os shows na cidade. Ele parece bastante com Joey Ramone. O detalhe que o diferencia do resto é sua deficiência visual, eufemismos à parte, é cego mesmo. Não é hoje que o maluco aparece nas apresentações de peso na cidade, mas neste show foi a primeira vez que o vi na roda. Me responda: se você não conseguisse enxergar, teria coragem de encarar uma pancadaria de uma lenda do thrash, carregada na testosterona e, naturalmente, violenta? Pois o nosso heroi aqui meteu a cara, tomou porrada, bateu, caiu, e não saiu ferido em momento algum, sempre amparado por amigos, ou simplesmente por quem também estava no mosh. Em determinado momento, ele disse, de uma música para a outra, “não estou vendo nada!”. Coisas do metal…
E o bravo, assim como todo o restante do público, teve motivo de sobra para a inevitável dor de pescoço do dia seguinte. Se levarmos em consideração o debut, de 1981, e o período necessário para gravá-lo, são quase 35 anos de existência. Por mais paradoxal que seja, a atual formação está em plena forma. Dá pra dizer que esse show em BH foi melhor que o segundo, no que tange à performance dos músicos. Só não perde para o primeiro porque é difícil derrubar o lance do ineditismo, senão seria também. Bernemman, responsável pelas seis cordas desde 1997, está afiado como um cutelo alemão. Tom continua com o alto nível na conexão entre seu baixo e suas cordas vocais, assim como Markka substitui à altura o gordinho Bob. Vale citar também a qualidade de som do Music Hall, bem acima da média, em todos os shows.
Uma grande apresentação, à altura da relevância do trio para o cenário mundial, carregada na sinergia entre público e banda. Que o diga um parceiro que teve uma sensação singular ao ouvir Remember the Fallen – seu pai morreu recentemente, justamente o cara que o havia inserido na música de qualidade. Aquele foi o primeiro show, após a morte do progenitor. Não vi lágrimas, lamentação, ou coisa parecida. Apenas a sensação de agradecimento por ter sido filho de quem foi, reabastecida com a vibe catártica do mosh. É como eu disse, coisas que só encontramos no metal…
Set Lists
Dunkell Reiter
1 – Intro/Eternal Nightmare
2 – Soldiers of Hell
3 – Unholy Grave
4 – Thrash Metal Maniacs
5 – Evil Never Dies
6 – Be Thrash or Die
7 – Evil
Tormento
1 – Damage
2 – Rising Violence
3 – Sabotage
4 – Solo Natan
5 – Rot in Soul
6 – Soul With No Name
7 – The Drink of Hell
8 – Crime Pays
9 – World Bomb
10 – Punished By Hate
Sodom
1 – In War and Pieces
2 – Sodomy and Lust
3 – M16/Napalm in the Morning
4 – Outbreak of Evil
5 – Surfing Bird/ The Saw is the Law
6 – Burst Command Till War
7 – Proselytism Real
8 – The Art of Killing Poetry
9 – I Am the War
10 – Among the Weirdcong
11 – The Vice of Killing
12 – Blasphemer
13 – Eat Me
14 – Agent Orange
15 – Sodomized
16 – Ausgebombt
17 – City of God
18 – Remember the Fallen
19 – Iron Fist/Bombenhagel
Esse cara que é cego tem ido a todos os shows, agita muito, fica batendo cabeça direto. Bela resenha