Todo fim de ano é a mesma coisa. Hipocrisia no meio familiar, social e profissional, com gente que te encheu o saco o ano inteiro, mas agora te ama incondicionalmente e quer pra você tudo de sentimento bom que o Natal vende. Sem falar na cansativa discussão futebolística que sempre pega alguém pra crucificação, mesmo quando os dois grandes times de Minas têm excelente aproveitamento. Ainda bem que, quando o assunto é música pesada, as coisas também se repetem. Belo Horizonte encerra mais um ano com apresentações emblemáticas, históricas e cheias de figuras conhecidas do meio metálico. De Destruction e Sodom a Love Drive (guitarristas antigos do Scorpion), passando por Agathocles, Tankard e Arkona, teve pra tudo quanto foi bom gosto. Até os pais do estilo, Black Sabbath, apareceram por aqui – e com a formação original!
E pra manter o riscado inexorável da praga do fim de ano, três bandas cumpriram com louvores a tarefa de fechar com chave de ouro a temporada de 2013 na cena metal da cidade. E uma fusão muito agradável, com poderosos representantes do Grind, Crossover e Death Metal. As bandas D.R.I. e Benediction, em turnê pelo Brasil, passaram pela capital mineira no primeiro domingo deste mês, 8, mais especificamente no Music Hall. A honra da abertura, que forçou a barra dos gringos, ficou a cargo de uma das bandeiras de BH, Expurgo.
Mais uma vez o público foi, digamos, daquele jeito. Tudo bem, show no domingo tira um pouco do tesão mesmo, já que muitos trabalham no dia seguinte. Mas, na boa, não serve como desculpa. Depois que surgiu o Facebook, substituindo o Orkut (que não usava muito), é que pude perceber como tem gente lero lero por aí. Aquele povo que adora curtir posts, manda altos sons bacanas pra rede, mas você raramente encontra em algum show. Claro, problemas todos temos, dificuldades financeiras, idem. Entretanto, a logística desta noite em específico corrobora o raciocínio: o primeiro lote começou a ser vendido em agosto (!).
Aquele pessoal mais novo, que não tem grana e tal, se quisesse, poderia fazer um esforço, ir acompanhando as vendas e economizando uns trocados, mês a mês, até dezembro. O leitor que está nessa onda headbanger há décadas sabe que sacrifícios deste porte são feitos, e eles acontecem quando há vontade extrema. De qualquer forma, foram as mesmas duas centenas em média que puderam ver e ouvir música de qualidade. Lucky bastards…
No segundo parágrafo desta resenha foi dito que o Expurgo forçou a barra dos gringos. Expliquemos. Isso sempre acontece quando a banda de abertura chega junto e coloca o lugar no chão, fazendo uma puta apresentação, meio que jogando a peteca para o alto e azar de quem vem depois – ela não pode cair. Um exemplo foi a turnê histórica entre Sepultura e Sodom, a primeira no começo da carreira internacional e a segunda já consolidada. Os alemães sofreram para conter os ânimos de Max e cia. Mas, neste caso, o bacana é que Anderson (bateria), Philipe (guitarra, vocal), Egon (vocal) e Leandro (baixo), executaram apenas mais um show, daqueles que tocariam em qualquer lugar ou situação. Sorte do público, pois energia e competência nunca faltam para esses cirurgiões do Grind.
Uns 40 minutos de pedradas sem erro perceptível, muita velocidade, urros e passagens de pogo. Perfeito como todo grindcore deve ser. São dez anos massageando os tímpanos alhures, provando que não é só de Death, Black ou Thrash que vive a capital nacional do Metal. Algo que chama a atenção no quarteto é como os músicos são competentes no que fazem individualmente. A pegada de Anderson dá a impressão de que o kit não vai agüentar, é uma sequência de porradas, blast beats, viradas e controle nos bumbos que desanima a molecada que pretende um dia virar baterista. Philpe domina as seis cordas, sem pretensão alguma de virtuosismo, claro, mas ciente da função de que são seus riffs que orientam toda a bagaça, sem falar nos urros. E por citar vocal, seria deboche não dizer que Egon é um frontman por excelência, pois, além do gogó possuído, sabe agitar no palco, brincar quando possível e ainda comandar o público. Pena que o baixista Leandro está de saída, mas foi muito legal a maneira como a banda administrou – primeiro em rede social, e no show um agradecimento e desejo de boa sorte. Quanto às pedradas, seis músicas do full Burial Ground, covers e outras dos sete splits dos caras. Dificil citar alguma, mas Sense Power, Be Dead e Blast of Truth me dão vontade de chutar as partes íntimas de uma junkie lésbica. No fim da descarga, fica a lição dos caras: escute Grind e sua vida será mais feliz…
Hora da primeira atração internacional. Pela segunda vez em BH, Darren Brookes e Peter Rew (guitarras), Frank Healy (baixo) e Dave Hunt (vocal), provaram que Benedicition não pode ser considerada uma banda que vive de passado. Pra completar o line up, Per Karlsson deu um tempinho no Destroyer 666 para ceder suas baquetas como músico convidado. Logo de cara uma prova de humildade, ou economia, sei lá, mas foi muito legal ver os próprios membros passando seus instrumentos. Ali já era criada uma sintonia com o público que só ganhou corpo quando os primeiros acordes de Grey Man são escutados.
Dali pra frente o que se via era uma perfeita conjunção musical entre banda e fã, uma sinergia que ficou evidenciada a cada música que começava. Muito se falava que, por completar 20 anos em 2013, o disco Transcend the Rubicon seria tocado na íntegra. Mas apenas quatro canções foram para o set, o que não dá pra reclamar muito. Isto porque as outras cinco foram muito bem substituídas, sem falar naquelas já consideradas clássicas, como Subconscious e Grotesque, que aumentam a carga com maestria. Após Nightfear, ainda no começo da apresentação, Dave Hunt diz que tocar em BH é como tocar em casa. Não dá pra dizer que foi algo demagogo, mas que teve um mínimo de sinceridade, isso teve.
E por falar no vocalista, sua contribuição foi crucial para fazer com que este show tenha sido melhor que o primeiro – mesmo com o quesito “primeira vez na cidade” a favor do anterior. Entendamos. Se tem algo que os fundadores Darren e Peter não podem reclamar é da falta de vocalista para cantar seus acordes. O Benediction é famoso por ter apresentado para o mundo dois dos principais cantores de Death Metal da história, a começar por aquele que considero o mais poderoso de todos, Barney Greenway – que gravou o debut e depois foi consolidar-se no bendito e querido Napalm Death. Entretanto a corda vocal que define bem a sonoridade deste quarteto britânico pertence a Dave Ingram. Não só porque ele gravou a maioria da discografia, mas porque seu timbre encaixa perfeitamente na sonoridade do grupo, algo menos gutural que o antecessor, saindo muito bem nas várias passagens thrasheiras dos caras.
E essa lacuna ficou levemente visível na primeira apresentação, há três ou quatro anos. Mesmo com Hunt tendo gravado os dois últimos discos, deu aquela vontade de ouvir os timbres de Ingram nos petardos que ele mesmo gravou, como Unfound Mortality. Mas agora o público já sabia do potencial do substituto e isso facilitou bastante assimilar toda a apresentação, sem falar que o atual Dave sabe muito, muito bem como comandar um lance de Death Metal. Um exemplo bacana foi na hora do encore. O careca disse que eles não iriam fazer o teatro que 99% das bandas fazem – aquele lance de despedir do público e voltar em seguida. Lá mesmo emendaram as duas saideiras da noite e depois foram beber, tirar fotos e entender o inglês sofrível dos fãs ávidos por atenção. Foi a melhor apresentação da noite.
Mas não era a última! Tivemos Death, Grind, era hora da fusão entre o thrash e o hardcore, e que bom ter vindo um embrião do estilo. Desde 1982, Kurt Brecht vem doando seu vocal em prol daquele conceito festivo que envolve fãs de Crossover. Citei Kurt primeiramente porque, nesta turnê que visita várias cidades do Brasil, ele é o único membro original. O guitarrista Spike Cassidy até viria, mas ele teve um problema no nervo de um dos braços, e está há sete meses sem tocar – somente agora que voltou a encostar os dedos nas seis cordas. Ed “Loco” Reyes, que toca no Verbal Abuse, banda conhecida por fãs de Slayer, substituiu muito bem o co-fundador do quarteto. Outro bastante conhecido, mas que não faz parte da linha original, é Harald Oimoen, responsável pelo baixo há exatos 15 anos com o DRI. A batera ficou novamente a cargo de Rob Dampy, também longevo na banda.
Assim como o “Bené”, esta foi a segunda vez que os norte-americanos visitaram Belo Horizonte. Um show mais curto que o primeiro, talvez por causa da turnê, bem mais extensa que a de outrora. Logo na primeira, Abduction, o carismático Harald entra com uma máscara de bode, ou algum outro animal chifrudo, e com ela fica por algumas poesias do cancioneiro sujo, podre e imbecil do grupo. Mesmo com um tempo reduzido, algo em torno de uma hora, foi possível desfrutar de verdadeiras pérolas mosheiras, como Violent Pacification (outra para fãs de Slayer), Couch Slouch e Five Year Plan. O set deles que você vai ler abaixo não condiz exatamente com a ordem executada. Faltam ainda Beneath the Wheel e Thrashard, que também compuseram a lista. Mas era o que estava pregado no palco. Não obstante tais detalhes, assim como na esquadra anterior, a roda estava incessante. Pena que não deu pra fazer aquela invasão de anos atrás, quando mais de 30 malucos subiram ao palco e até assustaram os gringos – eu sei porque fui um deles e vi Kurt e Cassidy com o tuim na mão. Mas não fez falta alguma, alguns gatos pingados deram seus pulinhos, o pau canto bonito e todo mundo foi embora pra casa com o ouvido zunindo, uma puta preguiça para encarar a segunda, mas dominados pela satisfação.
É como foi dito no começo da resenha, um “grand finale” para um ano muito proveitoso da cena mineira. Mérito de quem mete a cara e traz as atrações de fora, mas também não podemos esquecer do talento daqui. Muitos eventos foram feitos, especialmente no undergound, confirmando que o lance não é quantidade e sim qualidade. E por falar em tal atributo, podemos nos preparar. O novo disco do Chakal já saiu, Metraliator também, Pathologic Noise, Bonecrusher (EP) e Dunkell Reiter estão no forno e saem no começo do ano vindouro. É o cenário mineiro dando seqüência a uma jornada que começou há mais de 30 anos e não tem data pra terminar. Viva o metal mineiro, brasileiro e mundial! Que venha 2014, estamos prontos. Os créditos das fotos vão para Sérgio Wildhagen, que de vez em quando deixa sua vida de guitarrista do Preceptor e pai de família para enveredar-se com afinco no ramo das imagens digitais.
Confira abaixo os set-lists do show:
Set-list Expurgo
01 – Intro/Carcass
02 – Try to Hide
03 – Blast of Truth
04 – Slime´s Blisters
05 – Trapped
06 – Spell or Xenophobism
07 – Sense Power, Be Dead
08 – Only the Depressive Trades
09 – Walking Among the Dead
10 – Malformed Womb Excess
11 – Coalesce Sickness
12 – Sadistic Executioner
13 – Grind Dog
14 – Raiva Acumulada
15 – Sofrer em Paz
16 – On The Edge
17 – Doom (Lifelock)
18 – Plasma Arc
18 – General Surgery (cover)
Set-list Benediction
01 – The Grey Man
02 – Nightfear
03 – Nothing on the Inside
04 – Unfound Mortality
05 – They Must Die Screaming
06 – The Grotesque
07 – The Dreams You Dread
08 – Suffering Feeds Me
09 – I Bow to None
10 – Painted Skulls
11 – Jumping At Shadows
12 – Subconscious Terror
13 – Magnificat
Set-list D.R.I.
10 – Abduction
02 – Violent Pacification
03 – The Application
04 – Five Year Plan
05 – Madman
06 – Couch Slouch
07 – Equal People
08 – Yes, Ma’am
09 – The Explorer
10 – Karma
11 – All For Nothing
12 – Manifest Destiny
13 – I Don´t Need Society
14 – Soup Kitchen
15 – A Coffin
o baterista do benediction não foi Per Karlsson e sim ashley guest.
Ótima resenha Oswaldo. Estive nesse show e achei tanto Benê quanto DRI melhores do que na primeira vez aqui em BH. Foi um ano muito bom para BH, teve opção para tudo que é gosto.