Oswaldo Diniz
Headbangers de Belo Horizonte ainda sentem no corpo os efeitos do salutar açoite aplicado na última sexta, 25, no Music Hall. A primeira parte da invasão germânica do thrash metal foi concluída com sucesso. Como atração principal, os beberrões chucrutes do Tankard, visitando a capital nacional do metal pela segunda vez. Direto da Croácia, o trio War-Head veio conhecer o Brasil e apresentar seu trabalho. Não menos importante, a lenda mineira Witchhammer representou em alto estilo o quinhão tupiniquim.
O público, mais uma vez, foi muito aquém do esperado, levando em consideração a importância do evento. Sempre os mesmos pré-trintões, trintões e quarentões de outrora. Salvo alguns pós-adolescentes, fica novamente evidenciada a necessidade de uma renovação do “truzão” de BH. As pessoas vão envelhecendo, constituindo família, casando com mulheres, com o trabalho ou os dois – o que dificulta bastante poder acompanhar tudo que rola na cidade. Se não ocorrer uma reviravolta e a molecada voltar à roda, a tendência é de que os números reduzam ainda mais.
Para deixar o clima mais tenso, uma triste notícia, veiculada recentemente nas redes sociais. Após 17 anos, a Tumba Produções, principal empresa responsável pela vinda das bandas internacionais de metal ao Brasil, encerrou suas atividades. Claro, em uma cidade como São Paulo, por exemplo, demograficamente maior, por isso, com melhor demanda para qualquer evento, talvez o impacto não seja tão grave. Mas em Belo Horizonte o futuro não parece promissor. Aposto que os bangers a reclamar da provável ausência de shows na cidade serão os mesmos que ficam em casa nas apresentações que rolam, como esta, que vamos falar a partir de agora…
Uma questão de logística mudou a ordem das bandas. A produção local já havia avisado semanas antes que as atrações gringas seriam as primeiras a subirem ao palco. Isto porque eles tinham um voo marcado para a Colômbia, até então para tocarem em Bogotá. Não obstante o cancelamento da pancadaria no país do poderoso García Marquez, era de lá que os músicos retornariam para a Europa, portanto a escala estava mantida. Por causa disso, a primeira chicotada foi dada pelo War-Head.
Eldar “Piper” Ibrahimovic (bateria), Vladimir Suznjevic (guitarra) e Dario Turcan (baixo, vocal) vieram da Croácia mostrar um thrash/death bem eficiente. Pena que o trabalho deles não seja muito conhecido por aqui, mas trata-se de um som bastante agradável para os ouvidos dos mineiros, tão acostumados com a vibrante thrasheira de longa data nestas paragens. Até hoje o trio lançou apenas dois discos, ambos com as mesmas músicas. No Signs of Armageddon (2008) e Still No Signs of Armageddon (2011) diferem-se apenas no line up e na qualidade das gravações. De qualquer forma, os gatos pingados que viram a primeira atração devem ter curtido bastante os blast beats somados às pegadas de abrir roda e sair dando cotovelada pra tudo quanto é lado. Destaque para a música Terrorizer, que define muito bem o que foi escrito na frase anterior. Show bacana!
Hora da esquadra principal. Eu já comentei isso em outras resenhas, mas não custa repetir. Não existe subestilo musical dentro do metal mais festivo que o thrash. Quando falamos de heavy, o lance é bem dinâmico, virtuoso, legendário, algumas vezes “iê-iê-iê”. Black metal tem um discurso mais intimista, voltado para o lado espiritual. Death metal é “coisa de gente grande”. Isso sem falar nos outros. Cabe ao thrash manter o espírito às vezes juvenil da proposta criada lá nos anos de 1980. E não tem banda mais festeira do que o Tankard!
Mesmo que Gerre (vocal), Frank Thorwarth (baixo), Olaf Zissel (bateria) e Andy Gutjahr (guitarra) não fazem, na minha opinião, parte do primeiro escalão alemão, os caras são fodas no que criam. São 30 anos recém completados numa total ode à chapação, às mulheres e viagens alienígenas. Tudo isso num bom humor de botar inveja em caras que não sabem o significado da palavra carisma, vide Lars Ulrich e Dave Mustaine, por exemplo. Como prova, logo na abertura do show, uma intro de Simon & Garfunkel! El Condor Pasa, um dos maiores sucessos nonsenses da dupla de folk norte-americana, foi executada quase na íntegra, antes da clássica Zombie Attack. Puro deboche.
Assim como em 2007, quando os alemães cervejeiros estouraram o balaio no palco de BH, o set foi bem elaborado, permeando os 15 discos de estúdios, que vêm sendo lançados desde 1984. Do mais recente, A Girl Called Cerveza, foram apenas duas, a faixa título e Not One Day Dead (But One Day Mad). O resto foi pra matar a sede de açoite do público mineiro. Clássicos do porte de The Morning After, Beauty and the Beast, Maniac Forces e Chemical Invasion fizeram coro junto a outros petardos escolhidos à revelia, como Rules For Fools e Rectifier – tudo muito bem executado e num clima “dançante”, com os membros da banda bem à vontade.
E quando se fala em Tankard, não há como deixar de citar o grande, rotundo, Andreas Fritz Johannes Geremia, vulgo Gerre. Aos 45 anos, e com uma forma física bastante castigada pelo longo período chafurdado na cevada, o vocalista é um dos mais carismáticos da cena mundial. Durante a apresentação na capital, foram várias as situações, algumas hilárias, vividas pelo alemão. Resolvi listar uma parcela delas:
- Em vários momentos, especialmente na hora do riff entrar de jeito, a batera acelerar e a roda abrir, Gerre faz um sinal com as palmas das mãos, como se estivesse dando uma de Spider Man, escalando um muro, com a cara mais tosca possível!
- Vira e mexe o pançudo mostrava parte da (enorme) barriga e batia nela com o microfone;
- Quando não bancava o Homem Aranha, ele corria em círculo sem coordenação pelo palco, como uma criança livre do autoritarismo materno;
- Na hora de Maniac Forces, um fã joga uma imagem da banda em cartoon no palco e Gerre a mostra para o público, bastante satisfeito;
- Camisa do Cruzeiro (até que enfim uma!) foi jogada no palco, ele exibiu. Bandeira do Brasil mesma coisa e Gerre a colocou sobre uma das caixas de som;
- Durante Need Money for Beer, ele pega a câmera de uma fã no gargalo, tira uma foto e a devolve;
- Por falar em mulheres, todas receberam beijinhos, coraçõezinhos, abraços e demais formas de afeto à distância do gordinho. O cara não perdoou nenhuma, sua Uzi estava acionada e atirou pra tudo quanto é lado. Resta saber se alguma “vítima” foi atingida…
Não somente o vocalista, todos da banda estavam muito bem. O co-fundador, Frank, estava muito à vontade e bangueava sem dó com seu baixo. Olaf segurou legal a onda nas baquetas, assim como Andy nas seis cordas. E olha que o guitarrista tocava em uma banda de white metal no fim dos 1990´s, chamada Creed. Ainda bem que não havia nenhum radical no show, senão atrapalharia a festa. No encore, três petardos que definiram muito bem toda a apresentação – apologia ao álcool nos sons de Space Beer e (Empty) Tankard. Puta som do cacete que fez a alegria de muita gente.
Para encerrar a noite, hora de matar saudades com o bom e velho Witchhammer – banda só um tiquinho mais nova que a dos alemães supracitados. Pena um monte de gente ter saído junto com o Tankard. Salvo alguns casos extremos, como carona, horário de trabalho e tal, é impossível não lamentar a atitude de alguns bangers belorizontinos, que pagam pau para bandas de fora (até aí, tudo bem) e viram as costas para o produto aqui criado – erro crasso!
Mas Casito (baixo, vocal), Paulo Caetano e Rogerinho (guitarras), Teddy Almeida (bateria) ligaram o botão do fodas e executaram o portentoso thrash metal que os colocou na primeira prateleira da cena brasileira. Músicos competentes e, acima de tudo, carismáticos. Em especial o veterano Paulinho, que sempre dialoga com o público, trazendo interessantes discursos embasados na própria cultura heavy metal. E o pau comeu legal com Dartherium, Oija Board, Terrorist Prize, dentre outros clássicos.
Para a apoteótica Mirror, My Mirror, a vocalista da banda Nostoi, Nienna Melo, deu uma força. E as novidades não pararam por aí. Ao final, eis que sobe um dos bateristas de uma das maiores banda de metal de todos os tempos. Fiquei meio na dúvida se era o Kim Ruzz, mas depois andaram dizendo que era o Bjarne Holm. Um músico que tocou no Mercyful Fate e foi deles que Casito e Cia. tocaram Come to the Sabbath, com o retorno de Nienna aos vocais. Musicalmente a versão ficou bem legal, Holm detonou bem o kit. Mas alcançar o timbre de King Diamond é apenas para Kim Petersen – hoje em dia, nem ele mais consegue as notas do passado. Mas valeu a iniciativa e, claro, ficou bem melhor uma mulher cantando do que se algum dos caras tentasse o falsete do Rei Diamante.
No começo da resenha eu falei sobre a primeira parte da invasão germânica. Isto porque hoje (quinta, 31/01) a partir das 21 horas, tem a lenda alemã, Destruction, tocando no mesmo Music Hall. Ao lado, as mineiras Metraliator e Facínora. Mais uma noite do genuíno thrash nos aguarda, e promete ser melhor que a primeira! Quem sabe você não aparece por lá…
Set Lists
War Head
1 – Intro
2 – Free
3 – Terrorizer
4 – Who Dares Wins
5 – Away
6 – War-Head
Tankard
1 – Zombie Attack
2 – Time Warp
3 – The Morning After
4 – Need Money for Beer
5 – Not One Day Dead
6 – The Beauty and the Beast
7 – Slipping From Reality
8 – Stay Thirsty!
9 – Rules for Fools
10 – Maniac Forces
11 – Die With a Beer in Your Hand
12 – A Girl Called Cerveza
13 – Rectifier
14 – Chemical Invasion
Encore:
Alien
Space Beer
(Empty) Tankard
Witchhammer
1 – Dartherium 1
2 – Dartherium 2
3 – Os Bichos
4 – Liberty /Mirror, My Mirror
5 – Terrorist Prize
6 – Leather Boy
7 – Kill Us
8 – Oija Board
9 – Come to the Sabbath (“Almighty” Mercyful Fate cover)