Oswaldo Diniz
Belo Horizonte orgulhosamente foi palco de um evento que é realidade na cena extrema nacional há mais de uma década. A edição 2012 do Setembro Negro aconteceu no Music Hall e trouxe novamente os noruegueses do Gorgoroth, acompanhados pelos compatriotas do Keep of Kalessin. Como headliner, a lenda norte-americana do death metal, Autopsy, pela primeira vez em paragens tupiniquins.
A data escolhida, sete de setembro, historicamente falando, é marcada pelo grito da independência brasileira, no ano de 1822. Grande merda, quem já leu algo sobre o assunto, sabe que o Brasil, a partir dali, mesmo sem o jugo de Portugal, continuou com os mesmos problemas sociais. A única classe favorecida foi a elite agrária, que limpava diuturnamente as bolas de Dom Pedro I. Nada muito diferente do que acontece até hoje, guardadas as devidas proporções. Vivendo neste país de gritos, pseudo libertações e mensalões, é muito bom saber que existem pessoas alheias a toda essa cafajestagem e com olhares para a música. Extrema, de preferência. Enquanto muitos resolveram aproveitar o feriado prolongado para refestelarem-se alhures, 287 headbangers optaram pelo apoio ao underground. All hail…
Para abrir a noite, nada mais justo que a banda menos conhecida do evento. Thebon (vocal), Obsidian Claw (guitarra), Wizziac (baixo) e Vyl (bateria) compõem o Keep of Kalessin. Apesar de muitos bangers ainda do lado de fora, o quarteto não quis saber e tocou como se estivesse em um Wacken da vida. Muita empolgação que compensou um som meio… cansativo. Diria que um meio termo entre o Dimmu Borgir (pós Stormblast) e o enfadonho Children of Bodom. Black/death metal melódico, sei lá. Mas não quer dizer que seja ruim, algumas músicas soaram bem interessantes, como The Divine Land e Awakening. Apesar de quatro músicos em cena, um teclado acompanhava a apresentação constantemente. Mágica? Não, playback do instrumento mesmo…
Hora de uma das bandas mais badaladas do momento no cenário underground mundial. E não pela música, mas pelos bastidores. Desde quando o vocalista Gaahl saiu, em 2007, para viver livremente sua homossexualidade, o Gorgoroth nunca mais foi o mesmo. Processo judicial, trocas de farpas, saída de outro membro relevante (King ov Hell) e apenas um disco de inéditas lançado desde então. Para piorar, Pest, o substituto do grandão ré-no-quibe, também deu piti na Europa e não quis viajar para esta turnê.
O cara simplesmente afirmou que cantar na América Latina não fazia parte das prioridades dele. Levou um infernal pé na bunda, claro. Para seu lugar na tour, Hoest, do Taake, foi convocado. O que poderia manter a aura gay da apresentação, já que também seria uma pessoa com atração pelo mesmo sexo. Basta checar na internet e procurar o beijo assaz caliente em que ele e Niklas, do Shining, trocam em pleno palco.
Quem leu até aqui deve imaginar o quão preconceituoso este escriba é. Longe disso. O grande lance é que Hoest, Sture Woldmo (baixo), Tomas Asklund (bateria) Infernus e Fabio Zperandio (guitarras) estavam cagando e andando para qualquer demonstração de intolerância descerebrada. A meu ver, os noruegueses fizeram sua melhor apresentação na cidade – a terceira, até aqui. Após a – clichê – Marcha Fúnebre, Bergtrollets Hevn inicia a blasfêmia. Desde o começo, Hoest demonstrou ser uma peça sobressalente valiosa. Seu timbre, mais desesperado e caótico do que de seus antecessores, deu nova roupagem às músicas. A maquiagem, estilo “Evil Dead”, também ajudou a compor o personagem.
Set list bem escolhido, não faltaram pedradas e gritos de ordem para o Tinhoso. Fábio, guitarrista brasileiro que já tocou no Ophiolatry, mandou bem nas seis cordas, com solos bem executados e muito headbanging. Bem como o outro careca, Woldmo, que estuprou o baixo como se ele fosse uma freira. Infernus, já há um bom tempo no posto de “dono” da banda, segura os riffs como se fossem as correntes de Cerberus, prontas para arrebentarem-se e abrirem os portões do inferno na Terra. Metáforas à parte, os caras tocaram demais, um show excelente. O grande destaque vai para Profetens Apenbaring e novamente para os vocais de Hoest. Black metal sem canto épico fica meio repetitivo. E essa peróla mostrou como o pai do Taake é foda quando o assunto é cantar, oscilando entre o gutural e o clean com extrema maestria.
Mas, como nem tudo são cruzes invertidas, fica um ponto negativo. Tudo bem, os músicos são europeus, frios por natureza. Tem também a ideia de que black metaller não pode demonstrar sentimento. Ora, educação não entra nesse quesito. Ao fim do show, os caras não dissseram nada, nem agradeceram, despediram, nada. Apenas saíram do palco. Quantas hordas da música extrema tocaram aqui, brincaram com o público, ou, pelo menos, saudaram a plateia, e não saíram “menores” por isso? Pelo menos um “boa noite BH, valeu!” deveria ter sido dito. Na minha opinião, descaso ou desrespeito com a audiência, que deu moral pra cacete durante todo o show.
Mas ainda havia mais uma banda para castigar o pescoço dos mineiros. E esta era especial, após 25 anos de existência, os gringos do Autopsy visitavam o Brasil pela primeira vez. Chris Reifert (vocal, bateria), Eric Cutler (guitarra, vocal) Danny Coralles (guitarra) e Joe Allen (baixo) trouxeram, direto dos EUA, o melhor das estorinhas macabras de horror e morte, regado ao sangrento death metal. A abertura ficou por conta de Charred Remains, porrada que inaugura também o fantástico debut, Severed Survival. Clássico que, para a sorte de quem esteve presente, foi 70% executado, ou seja, sete pedradas. Apesar de todos estarem no fim da casa dos 40, a energia em palco foi impressionante. Pareciam moleques brincando de fazer barulho, muito bem feito, por sinal. Chris tem um jeito muito peculiar com as baquetas, tocando com os cotovelos próximos ao tronco, dando a sensação de esforço acima do comum. Sem falar que ele é o principal vocalista, responsável pelos urros, concomitantes às pancadas dadas em todo o kit. Em algumas músicas, Eric tomava as rédeas e dominava o microfone – talvez para dar um descanso ao baterista.
O rotundo Danny parecia um garotinho esguio, tamanha a sua empolgação em banguear por todo o palco, correndo e agitando sem parar. Acintosamente ou não, apenas uma música do último disco, Macabre Eternal, lançado em 2011, foi executada: Seeds of the Doomed. Vale ressaltar também que o som do Autopsy não é totalmente death metal. Lá nos idos anos de 1986/87 o estilo ainda ganhava corpo, sendo alimentado por ícones, como Celtic Frost e Possessed, surgidos anos antes. Mas o hardcore/punk norte-americano também trazia inspiração para o quarteto californiano. Como resultado, uma mistura entre a celeridade e momentos mais cadenciados, para depois voltar à quebradeira. Eu diria que o Autopsy, sim, é uma banda de death metal, mas, pelas influências, trilha um caminho entre o DM e o grind. Ou seja, bom de qualquer jeito. Com o hino Critical Madness, chegara ao fim mais um show histórico em Belo Horizonte. Diferentemente do Gorgoroth, todos os membros do Autopsy foram para o público após o show, tiraram trocentas fotos e conversaram com quem os entendia. Uma total demonstração de respeito com quem, de alguma forma, investe no trabalho que os músicos prestam. Parabéns a Tumba Produções pela realização de mais um Setembro Negro. Que venham outros, claro.
Set Lists
Keep of Kalessin
1 – Kolossus
2 – The Awakening
3 – Judgement
4 – Dragon Iconography
5 – Dark as Moonless Night
6 – The Divine Land
7 – The Wealth of Darkness
8 – Ascendant
Gorgoroth
1 – Bergtrollets Hevn
2 – Aneuthanasia
3 – Prayer
4 – Katharinas Bortgang
5 – Revelation of Doom
6 – Forces of Satan
7 – The Rite of Infernal Invocation
8 – Odeleggelse og Undergang/Blood Stains the Circle
9 – Destroyer/Incipit Jesus
10 – Krig
11 – Profetens Apenbaring
12 – Unchain My Heart
Autopsy
1 – Charred Remains
2 – In the Grip of Winter
3 – Severed Survival
4 – Pagan Saviour
5 – Embalmed
6 – Dead
7 – Voices
8 – Slaughterday
9 – Seeds of the Doomed
10 – Mauled to Death
11 – Gasping for Air
12 – Ridden With Disease
13 – Twisted Mess of Burnt Decay
14 – Critical Madness