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Oswaldo Diniz
O segundo domingo deste mês, 12, Dia dos Pais, foi marcado pela visita de alguns filhos do cramulhão à Belo Horizonte. A banda Marduk veio para destilar o melhor do veneno profano criado pelo black metal. A apresentação fez parte da turnê de divulgação do último disco, Serpent Sermon, lançado recentemente. O evento, ocorrido no Studio Bar, teve como convidado outro expoente europeu, os belgas do Enthroned, ainda divulgando o trabalho deste ano, Obsidium.
Para os bangers que acompanham a cena há alguns anos, não havia nenhuma atração debutante na cidade. Pelo contrário, as duas esquadras já visitaram a capital diversas vezes. Inclusive o recorde de banda gringa em BH, contando este último show, pertence ao Marduk. Foram cinco vezes presenteando os mineiros com a mais sincera e barulhenta blasfêmia. A novidade está mais associada ao local onde os caras tocaram. É muito raro o Studio Bar ceder espaço para o metal, especialmente a música extrema. Uma jogada legal da produção, talvez visando minimizar os gastos, ter escolhido um espaço menor que o de praxe. Se fosse no Music Hall, onde é de costume rolar esses tipos de shows, seria um fiasco visual. Pelo menos no Studio deu impressão de casa cheia, mesmo com umas 100 pessoas nele.
Como registro, vale citar a postura do pessoal da Cogumelo, um dos envolvidos na logística da noite, checando o ingresso de cada um na entrada. E não é fritação, exagero, trata-se de apenas uma medida de segurança. Alguns shows atrás, ainda no Music Hall, um espertinho tentou entrar com ingresso falso. Tá de sacanagem, o infeliz. Nos últimos anos vem sendo tão difícil ter um público razoável na cidade, e ainda vem um babaca e tenta diminuir o retorno pecuniário de quem se dispõe a organizar a parada. Pelo menos não houve registro de fraude desta vez. Mas é bom saber que tem gente de olho…
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Falando de música, o tom da noite foi o mais genuíno e maldito black metal. Nos anos de 1980, quando o heavy metal consolidou-se como fenômeno juvenil mundial, muitos dos seus filhos nasceram. O mais profano veio do entroncamento de bandas como Bathory, Hellhammer, Venom e Bulldozer. Gritos de dor, de escárnio e conjuração, aliadas a rápidas paletadas e batidas desconcertadamente rápidas. Na parte lírica, cantos de amor ao capeta em profusão e algumas críticas também de cunho religioso. Mas é nos anos de 1990, com a segunda geração do black metal, que o subestilo ganhou força ideológica. Especialmente na Europa, mais especificamente nos países escandinavos. Para estes jovens iconoclastas não bastava cultuar o demo. Era necessária uma equação que pudesse ovacionar o sombrio, defenestrando tudo aquilo que fosse cristão. Alguns descerebrados resolveram queimar igrejas e se matarem. Outros, mais espertos, usaram a música em questão como o mecanismo de tortura.
A primeira horda a levantar o cálice endiabrado foi a Enthroned, tocando nestas paragens pela terceira vez. Nornagest (vocal), Neraath (guitarra), Phorgath (baixo), Garghuf (bacteria) e Noens (guitarrista convidado para turnês) realizaram uma verdadeira missa negra. O público ainda chegava quando rolava o primeiro petardo, Deathmoor. Porrada do novo disco, com muito headbanging, pedais duplos e celeridade nas seis cordas. Essa foi a tônica da apresentação; black metal coeso, tipicamente europeu. Um detalhe curioso é que, desde 2006, com a saída de Lord Sabathan, o quarteto não tem nenhum membro original na formação.
Mas isso não foi nenhum problema. Verdadeiros hinos dos países baixos, como Through the Cortex e Vermin, foram executados. Vale citar a postura do vocalista Nornagest, hoje com muito menos cabelo que outrora – mais uma vítima da crueldade imposta pelo tempo. Nas partes em que ele trocava os urros por evocações tipicamente eclesiásticas, o gordinho levantava a mão direita, com os dois dedos em riste, como se fosse um padre mesmo. Até água o músico “benzeu” e jogou na turma do gargalo. Black metal sem um pouco de teatro perde um tanto da sedução. Vale citar também a excelente dupla de guitarras, muito afiada, com poucos erros percebidos. A última pedrada foi a maravilhosa Evil Church, impossível não bangear nessa. Uma intro bem heavy tradicional, depois a blasfêmia e a velocidade imperam no mais puro ritmo do capeta. Mais uma apresentação de respeitos dos belgas.
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Era hora dos gringos mais conhecedores de Belo Horizonte fazerem outra demonstração de seu arsenal sonoro. Morgan “Evil” (guitarra), Maguns “Devo” (baixo), Hans Daniel “Mortuus” e Lars Broddesson (bateria) completaram cinco visitas à cidade, um recorde. E o show foi o mesmo dos anteriores: brutal ao extremo. Quando falamos de tocar ao vivo, longe dos estúdios, o Marduk é um dos grupos com melhor performance. Os caras sobem ao palco e descarregam uma espécie de choque musical, ultra veloz. Apesar da turnê em questão ser do disco lançado este ano, Serpent Sermon, apenas duas faixas dele foram tocadas. O set revisitou toda a carreira dos suecos, desde o começo, quando o anticristianismo e o satanismo eram bem fortes, até um passado recente, quando a banda resolveu apostar em uma temática mais beligerante, falando de guerras e todo o horror que ela traz – claro, sem perder o vínculo com o tinhoso.
Mais uma vez o grande destaque fica por conta de Mortuus. O cara tem um par de cordas vocais que assustam. Quem ficou perto do palco sentia constantemente os tímpanos vibrarem intensamente, tamanha a força da garganta do vocalista. Sua postura em cena é praticamente perfeita, não somente o poderio com o microfone. A maneira de cantar, bangueando freneticamente, o canto com o corpo curvado, como se estivesse sofrendo para gritar, e a interação com o público fazem dele um frontman por excelência. Ninguém sente saudades do antigo vocalista, Legion, que, não obstante sua voz poderosa, saltitava no palco feito uma gazela ululante…
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Verdadeiros socos sonoros no estômago, intercalados com intros, foram dados durante o show. Impressionantes como os caras conseguem transmitir toda a fúria e a velocidades dos álbuns para as execuções ao vivo. Lars parece ter três braços, um deles fica por conta apenas da caixa, nos blast beats frenéticos – enquanto os “outros” exploram o kit. Morgan, o grande cérebro do quarteto, consegue arrancar choros copiosos de sua guitarra, trazendo aquela sonoridade específica do black metal.
Quem foi teve a oportunidade de ouvir marcos emblemáticos do estilo, como Materialized in Stone, Throne of Rats e Bapstim By Fire. Quando eles tocaram Souls for Belial, do último trampo, a maquiagem facial de Mortuus já estava toda derretida – algo inevitável, eles não estão na Europa, certo? Em determinado momento de Panzer Division Marduk, um silêncio, seguido apenas de baixo e bateria. Na verdade, a intenção era que o público desse sequência na música, seguindo orientação de Mortuus. Mas não deu certo, os bangers ficavam apenas gritando o nome dele, repetidamente. Um mico justificável. Para encerrar, uma das mais belas representações do cancioneiro heterodoxo: Wolves. Show de black metal raramente tem uma roda tradicional, mas essa com certeza mereceria, pelo ritmo hipnotizante que possui. Era pra dançar mesmo. Ao final, o vocalista agradece o público e diz: “until next time, oh Hail!”. Alguém duvida?
Set list – Enthroned
1 – Deathmoor
2 – The Ultimate Horde Fights
3 – Sepulcred Within Opaque Slumber
4 – Through the Cortex
5 – Deviant Nerve / The Burning Dawn
6 – Obsidium
7 – Horns Aflame
8 – Radiance of Mordacity
9 – Petraolvm Salvia
10 – Vermin
11 – Under the Holocaust
12 – Evil Church
Set list – Marduk
1 – On Darkened Wings
2 – Nowhere, No-one, Nothing, Wormwood
3 – Serpent Sermon
4 – The Black Tormentor of Satan
5 – Still Fucking Dead (Here´s no Peace)
6 – Warschau 2: Headhunter Halfmoon
7 – Materialized in Stone
8 – Baptism by Fire
9 – Womb of Perishableness
10 – Souls for Belial
11 – Azrael
12 – Throne of Rats
13 – Panzer Division Marduk
14 – Wolves